Arde-me a carne quando o licor da tua lava invade a minha casa
A tocha incandescente que mergulha e acende as paredes da caverna

Festejo até à agonia no enlace encadeado dos movimentos
onde nos perdemos no mais perfeito encontro da unidade das almas
Na dança extasiante do arrebatamento dos sentidos

Acordo com o acorde do murmúrio do silêncio cúmplice da loucura
E bebo o azul da nuvem da aura que nos veste os corpos ao alvorecer

Desperto de novo do torpor dos nossos membros adormecidos
E reacendo o vigor da chama para de novo adormecer

Quero-te na seiva, espuma e  lava nas paredes da nossa casa
Onde acendes o lume e plantas a cama de lírios no veludo negro do nosso quarto


Parabéns meu kasula

Obrigada meu filho por te ter

Nestes 22 anos, em catadupa se atropelam risos
e doces momentos de brilhos a multiplicar-se em estrelas
a cobrir o manto de veludo de céu da minha vida
que tão bem soubeste amaciar,
tão só e apenas com o condão da tua existência.

Quero-te, como sabes ser
Quero-te, como fazes que seja
Quero-te, com o melhor que tu desejas
para ti e para o universo
Com a tua inocente madura sabedoria

Vou estar sempre contigo

Parabéns meu filho!
 
Neste dia tão especial deixo-te este presente em poema do Eugénio de Andrade

Até Amanhã
Sei agora como nasceu a alegria, 
como nasce o vento entre barcos de papel, 
como nasce a água ou o amor 
quando a juventude não é uma lágrima. 

É primeiro só um rumor de espuma 
à roda do corpo que desperta, 
sílaba espessa, beijo acumulado, 
amanhecer de pássaros no sangue. 

É subitamente um grito, 
um grito apertado nos dentes, 
galope de cavalos num horizonte 
onde o mar é diurno e sem palavras. 

Falei de tudo quanto amei. 
De coisas que te dou 
para que tu as ames comigo: 
a juventude, o vento e as areias. 

Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"

vem conhecer o meu jardim

Vem, Dá-me a tua mão
Não quero que anoiteças na luz do som dos meus passos sem conhecer
a cor do desejo que atrai o mistério do alvorecer

Para que não te quedes, assim ditarei
Que auroras se mostrem em orquestrada sinfonia
E alvoreça agora em rasgos de incandescente geometria 
na atmosfera de tintas ondulantes e vibrantes a embeber o ar 

E na apoteótica celebração deslumbrado irás compreender
porque te quero mostrar as cores das paredes do meu jardim 

Vem, vem agora e entra em mim

Vem conhecer o meu jardim
Vim descalça
E no trapézio da cratera me firmei
Seguindo o encalço da lava do futuro que escolhi

Com os pés em febre
Ali me fiz acrobata, e no calor do desejo me aprimorei
Travei a luta, venci a dor dos escolhos que acolhi

No prado vermelho da nuvem pra sul enfim caminhei
Agarrada à chama do sonho que sonhei


Vim descalça na febre de um sonho em que acreditei

Bi Kyklos

Dois Kyklos.
Vou dizer assim porque sei que vais gostar desta palavra.
Pergunta à mãe, quer dizer duas rodas.
As rodas gémeas que estão unidas para nos levar nas primeiras aventuras do corpo equilibrado em movimento, depois da grande aventura dos primeiros passos.
Dois kyklos  que fazes correr quando rodas os pedais.
A mãe contou-me essa tua grande proeza deste fim de semana que me deixou toda derretida.
Eu disse-lhe que estava muito orgulhosa.
É que já dás a volta inteira.
Depois de muita teimosia tua os teus pés não se descolaram e deslocaram os sapatos mágicos que giraram por completo na dança frenética, que tomou conta da rua inteira e deixou os papás todos babados.
E os teus pés ganharam  vida  agarrados aos outros que se deslocam com a tua energia.
Da Vinci, Lu Ban, ou o Barão Drais, pouco importa.
Quadro, roda, aros, raios, guidom, garfo, selim, pneu, corrente, câmara de ar, guarda lamas, ficaram no nosso imaginário onde cabem histórias que podes ouvir de todos os membros da tua árvore da família.
Chica, Burra, Byque, Bici …
Os tios, os primos, vão contar, e mais as outras dos avós e manos, e amigos, e vizinhos, que falam de tudo e de assuntos que conseguem acompanhar, crianças, jovens e mais velhos. Canucos e cotas todos juntos na mesma viagem.
De tempos de barriga contente e de barriga vazia, ou apenas enganada. Daqueles assuntos que cabem todos em apenas dois kyklos que percorrem asfaltos, poeiras vermelhas e de outras cores e fazem sorrir vidas.
A corrente que saltou, os raios onde se prendeu o pé, o selim onde não se conseguia ainda chegar, o quadro de menina ou de menino, onde vai dar para levar alguém à pendura, as mãos cheias de óleo porque a corrente saltou, a câmara de ar que mergulhou  na água para rever o remendo colocado a preceito porque o pneu furou nos caminhos que não vamos contar à mãe, o garfo que não estava direito e ficava  tudo empenado, o guidom que se girou para parecer de corridas e que vai dar um sainete, os guarda lamas que numa história do Ondjaki que a mãe te vai falar, até virou bigodes, e a campainha; tquase me esquecia de falar  na campainha, mágica de tocar só para fazer banga!
E os caminhos?
Todos vão ter histórias dos caminhos para onde correram os sonhos com dois kyklos, as duas rodas mágicas que já fazes correr nos teus próprios caminhos.
Parabéns Isaac. Estou mesmo muito orgulhosa.
Hoje acordei agarrada ao vento fresco do movimento da tua volta inteira que já deste aos pedais e te levam os joelhos quase ao peito, e pude voar contigo.

Na ponta dos dedos da minha pele em chama o encanto meigo do sossego que me chama

Sinto o canto das águas mansas, quando os dedos da minha pele folheiam as páginas enrugadas do brilho do teu corpo, basto do vigor de tantas vidas plenas de saber.
Na embriagues do calor do leito banhas-me com o sabor do encanto do sorriso de cada linha que se me prende em cada poro e me faz estremecer.
Embarco na aventura e desafio o jogo, o fogo, na força, num quase grito de querer, desembainho a espada,
E tu invades-me na ternura, a torrente mais madura, num murmúrio de um choro, quase manso de prazer.
Embalo-me no canto doce dos pássaros que rasa o manto áureo que me cobre a noite negra e desponta a madrugada.

Quero adormecer no torpor das águas claras 

PARA TI


Que se acenda a escuridão
e venha uma luz
que entenda de saberes e de vida.
Chegou alguém que vai passar
e por estes lados vingar:
fazer do mal o bem,
da cegueira a visão
e da tristeza verão.
Passa mulher
e dá-te para além de ti.
É esse o teu destino
e o dos que sob as tuas asas se abrigarão.

Que o tempo te seja longo!                                                                         

Fernando Carvalho                                                                                                                                                      26 Setembro 2014
Inventem-se afetos
recados, pecados, aconchegos, desejos
à forma à luz de cada gesto
sei apenas que te darei em cada dia
para que guardes ao teu jeito
o regaço onde te acolho
este leito em que te deito
para cura dos teus escolhos,
o quadro onde repousa toda a luz do meu sorriso,
A moldura do meu peito

É loucura soletrar-te
Vestir o caldo insano de querer-te
Na insana e estreita via da palavra
Onde cala o gosto grito de perder-te



Então vou apenas murmurar-te

E ter-te assim no abafo de um sufoco

No folego da longa eternidade de um momento

Pousado nos lábios entreabertos de desejo


Agora já certa vou apenas sussurrar-te 
No andamento das curvas desta estrada
Compasso nas notas breves a contratempo
Sei que estou segura no silêncio que conheço


exercício de (dor) amor


Doi-me a sorte de te ser
sem o dote de te ter

Doi-me a tua vã presença
de tu estares e não te vêr
Doi-me a tua sã pertença
de te ser e não te ter

Ó chão meu, terra sangue,
quente amargo e bem querer
Dá-me o abraço o colo abrigo

fecha a porta e despe o luto
que entre o querer ir e o querer ficar
mora o espaço desta dor,


Ó luz minha, casa escura
quero vêr quero viver
quero estar quero-te ter

quero o espaço deste amor
Corre-me um rio
A alva aurora, malva incenso
Seiva, menta, mosto, encanto intenso

Fere-me a luz
A lava ardente, o vinho amargo, o doce fel

O sangue que me escorre, pulsa e veste
A alma,  a chama que me dest(p)e

Corre-me um rio
São bilros.
Só podem ser bilros.
 
 
Este emaranhado pensamento
Num perfeito encadeado de momento
No repouso no rebolo de pano tosco
Chão de vida, grossa palha ou algodão
Soberbo corpo, fina malha em veste de cambraia
 
Existência que repousas a cabeça na almofada
Assente no chão duro, estrado, forma,
base, casa, cama, tábua, enredo, armada
alma à altura do trabalho nobre e fino
nasces das mãos da pequena rendilheira
 
É a vida que cresce e corre no rebolo deitada
Sobre um lençol mansamente perfurado
 
No pique se desenha a vida em pequenos sulcos
Onde se apraz a rendilheira
Na base se espeta os alfinetes à medida da lida
Onde se deleita a rendilheira
No palco em que manobra as linhas, na dança, no jogo, no fogo cruzado
 
É a seda pura, o fino ouro, a doce prata, ou alvo linho
Na perfeição da geometria do complexo e delicado bordado
 
E em gestos simples avança a rendilheira
Jogo de mestria aos pares em contornos e volteios
torcidos, entrançados, movimentos compassados
alternados, rotativos, ritmados e cadentes
nos fios cruzados do destino das esferas
 
É a vida que surge das mãos da rendilheira
no rebolo, no pique, na tela, cartão de cor de açafrão,
no fogo, da teia, na dança dos pares, de linhas em jogo cruzado,
 
A renda, a pena, a graça ou luxo, da vida que enfrenta as feras
 
porque é de bilros
porque só podem ser bilros

no 28 de junho

A 28 os 28, assenta-te bem
Casam-se os anos como se fala

e na procura do significado
vi-me a caminhar pelos trilhos dos gregos antigos
e os vi primeiro na limitada fórmula de Euclides, 
no neopitagórico Nicômaco, e neste jogo encadeado 
cheguei à que dizem ser a actual sequência A00396 na OEIS, 
combinação que me falaram ser a chave do numero perfeito par, 

E assim me chegou o 28: =1+2+4+7+14 , assim te faço chegar
para que o possas levar ao Isaac, não te esqueças
Pois assim te revi no rigor da matemática, 
Podes contar-lhe a história do número perfeito par

Chamaram-no o número triangular, perfeito, par, 
de que me falou pelo caminho o Gauss 
que me disse estar representado por um triângulo equilátero.

E passeei  pelos que figuram como nascidos nesta data, 
e na procura vi muitos retratos e perfis, imagens que perfilaram
e entre muitos outros vi desfilar o Henrique VIII, Rubens e Rosseau.
E folheei as suas paginas onde situei louros e honras
e marcos de história, transformação e viragem 

Mesmo nestes não chegava, nem de perto, nem de longe
o que te distingue na coragem, tenacidade, e enorme bondade meu amor,
aquela que te sei querer extravasar o coração da casa, 
o teu céu, o teu castelo, e capaz de abraçar um mundo.

Recordo então que o que deram como Ano Internacional da Paz 
nasceu no ano em que nasceste pelas união de nações .

Revi-te-te então por aí
agora no rigor da determinação de um caminho que persegues
em ideais de um propósito de amor e de justiça
da paz que queres construída por todos ao teu redor

Hoje neste 28, em que se cumprem os 28 verões 
anos casados como falamos, do perfeito par
Neles saboreio afinal a quente ternura na plena felicidade
onde abro o colo com espaço largo, teu porto, e meu mar 
lar de abrigo, espaço ainda e sempre perto, dos nossos corações.

Orgulho-me de ti minha filha.
Parabéns querida!

no 2 de julho

No teu 6º Aniversário - Parabéns meu neto

Hoje o meu coração é um arco-íris

De sete cores em arco a abraçar o meu peito

No tom do mais bonito arranjo
num bouquet de sete notas
que nunca alguém alguma vez, 
se julgaria capaz de compor,
ou ousaria algum dia inventar.

Acordei contigo meu amor.

Com a luz colorida que dás ao meu mundo,
no mais belo quadro de sol
em pinceladas fortes na tela de água,
a vestir o ar que me dá vida.

Agora, que já me sabes guiar em passos pequenos
Num espaço gigante feito ao tamanho dos teus seis anos,
A meia dúzia que já passa de uma mão inteira,
Do percurso já de muitas coisas como um alfabeto inteiro,

Da viagem pela grande magia da escrita,
do preencher de um quadro, uma folha inteira
dos lugares da palavra, da frase e do parágrafo
Do desafio da fonética, para ti em três registos distintos

De todos os números, das grandezas e sucessões,
na grande incursão no mundo matemático.
Do domínio das artes na entrada na geometria
Que já define os objectos do teu mundo

Dos saberes sobre os dias da semana, 
das estações do ano, 
de grupos e categorias das mais diversas coisas,
da diversidade do planeta e do grande reino animal,
de texturas, sons, cheiros e fantasias de um imaginário só teu

Do saber do amor
A mãe, o pai, os tios, a avó os primos em cada cantinho
Do teu maravilhoso universo

Hoje o meu coração é um arco-íris

Nas sete cores em arco a abraçar o meu peito
Paleta que te reservo hoje, só para ti,
Com a ternura da cor das sete notas
Da mais bela melodia que compus para ti

Parabéns meu neto
Estou babada!
Hoje ao almoço a Pati deu-me a notícia que me fez derreter.
Verdade! Comecei logo a imaginar o que o teria destacado. 
É que assim à distância não consigo acompanhar bem os passos gigantes do meu pequenino, Então ele já escreve... Vou ter que recuperar. E de um fôlego pegar em todos os bocadinhos para os saborear até apanhar a altura do tamanho das letras grandes e gordas que já legendam o seu dia a dia e desenham o caminho. Acho que tenho que correr um bocadito. É que num instante se desenrolam e sucedem as aventuras deste crescer num repente. Hoje vou vos contar a aventura que apanhei num recado da Pati: - O Isaac recebeu o prémio o escritor da semana! Não é para babar? Digam lá!
Anda, vem comigo brincar com as estrelas
Colhe-las uma a uma e guardá-las na dobra do meu vestido
Recolhida até ao peito quase a descobrir o umbigo
Pelas nossas mãos gorduchas e ainda pequenas de então

Anda, vem apanhar comigo as estrelas
Dá-me a tua mão e ajuda-me na corrida dos meus passos pequenos
E depois, com as nossas mãos em concha quase juntas em forma de coração,
Vamos guardá-las bem aconchegadas junto ao peito ainda liso de então

Anda, vem passear comigo nos meus sonhos de estrelas
Vem sonhar comigo os meus sonhos de criança
Vou pegar-te ao colo e embalar-te docemente
No brilho suspenso do pó das estrelas

Povoar os teus sonhos de nuvens de linho
Na transparência suave dos contornos do tear do teu corpo
Estreitar-te na languidez do macio do imenso céu e calmo Olimpo
Onde se espalha a matéria de que são feitos os teus sonhos

Guardarei o meu fogo na tua tenda do desejo
Região mistério desse espaço difuso entre finas linhas
Abraçadas no torpor da minha chama tecida em tela de vida
Padrão pulsante e vibrante com mesclas de luz de dor bordada
Na seda da malha com que te cubro o corpo abandonado

Vou pegar-te ao colo e embalar-te novamente
No lume aceso do brilho suspenso do pó das estrelas  


18 de maio - Parabéns meu filho!

Hoje é um dia especial assim mais do que costumamos fazer dos outros dias para os tornar especiais.
Não, não é pelo dia dos museus, isso é só uma convenção.
Bem sei que esta data foi um marco para alguns factos, se nos lembrarmos assim que em 112  se assistiu à eleição de um papa, em 152 um casamento real, em 565 o cerco de Malta, em 804 é coroado um imperador e em 910 a terra passa pela cauda do cometa Halley. E já neste milénio, no  006 voltamos a um assunto de património marcante, que foi  a inauguração do Museu de Arte Antiga aqui na capital. 
Mas não é desses assuntos que vos vou falar.
Bem, dirão vocês, é porque se trata do facto de ser o 138.º dia do ano no calendário gregoriano (139.º em anos bissextos). Faltam 227 para acabar o ano, e daí?
Nada disso! - É que faz hoje trinta anos, que nasceu o meu primogénito!
- É obra!
Asseguro-vos que passarei a olhar para o espelho de forma diferente. Pelo menos foi o que senti quando assimilei que passaram três décadas daquele dia maravilhoso que mudou completamente a minha vida e a que se juntaram outros que rechearam de vitórias a minha marcha, e coroaram de glórias a arca e relicário onde guardo as memórias.
Estamos próximos, e ele faz o seu caminho.
Obrigada meu filho.

Parabéns!

Pentecostes em abril - visto do arco da rua augusta

Não esperamos cinquenta dias.
Urgia que fosse feita a comemoração e ainda não tinhas subido aos céus pois querias fazer parte da festa.
Sabias que precisávamos de ânimo e a nós te juntaste e deste a volta à história.
Eu subi lá acima, queria ver melhor e vi-te cá em baixo entre os demais. 
Será que partes de novo? Sei que queres continuar os ensinamentos. Receio que nos faltem as forças e não consigamos acompanhar.
É preciso lutar. É preciso mudar. É preciso continuar.
Levantaste-te nem faz uma semana e assim se decidiu antecipar este Pentecostes e trocar as voltas ao estabelecido.
Trouxeste então a chama como derradeira luz de esperança nesta festa antecipada.
Fizemo-la não no sétimo dia depois da tua ascensão, mas quase ao sétimo da tua ressurreição.
Da praça se fez o cenáculo e éramos todos discípulos. Assim o percebemos, assim o recebemos. 
E o festival da colheita rubra, fez descer do céu línguas de chama em corpo de cravos em sangue que desciam até nós mitigando com a sua luz os nossos espíritos esfomeados de justiça.
Do cenáculo transportado para todas as almas de um tempo de novo sombrio chegava a voz do exército, no apelo aos mandamentos para devolver  esperança em tempo do êxodo.
Pentecostes em tempo antecipado, o espírito que dará o dom das línguas que vestirão um novo discurso, a nova força que marcará de certo o nascimento do movimento pentecostal.
O que nasceu quando os cravos vieram do céu.

no 11 de abril o que viram os meus olhos


Eis-me aqui na partilha deste momento que fizeste questão de dizer que o tornaste possível para nos poder proporcionar.
Só o fazias por nós. Assim era para ti, mais nosso do que teu.
Para ele estava já conquistado mesmo sem a comemoração.
Todo aquele cerimonial era-nos carinhosamente oferecido.
Cuidei para que estivesse bem à tua altura, disse-to. Resmungaste carinhosamente qualquer coisa como; “Deixe-se disso, mãe”.
Caminhamos quase nervosamente para a catedral e no átrio encontramos já alguns pares que cumprimentaste quase cerimoniosamente e me prestaram a igual e devida vénia.
Percorremos as galerias cruzando-nos com um cem número de quadros negros resplandecentes de júbilo que iluminavam o espaço e que em breve se nos juntaram na enorme nave prontos para assistir ao ofício diante do coro onde doutos haviam já tomado o lugar no altar-mor e iniciavam a celebração.
Houve ainda espaço para cumprimentos entre os quadros e profundos negros, antes do canto litúrgico sob a forma de ritual formal elaborado.
Chegado o momento central da celebração a liturgia deu lugar à consagração onde chamados um a um os 253 vultos juraram o compromisso da sua honra diante dos cerca de 600 fiéis, familiares e amigos, onde se assistia à transubstanciação do esforço e sonho no corpo do documento agora entregue.
Vibramos no clamor e no brilho do momento, vestimos todos a veste negra que nos abraçava no conforto do veludo macio da noite mais calorosa.
Em mim a invadir-me aquela forte sensação do abraço da vida a premiar-me. Sentido de dever cumprido? Não é bem isso. Isso dito assim parece-me mais um fim de caminho, e está longe de o ser.
Apaziguava-nos o destino feito fato à medida do sonho, executado no rigor do estreito cumprimento das tuas directrizes.
- Fica-te bem filho, usa-o com a devida cerimónia.

sábado de família


O sábado trouxe o aconchego da família desta vez na nossa casa.

Esbanjou, encheu e preencheu de brilhos em formas de sorrisos a pintalgar em ritmo de sembas todas as paredes, que deixaram as marcas que me vão bastar e fazer a conversa de todos os mugimos que surgirem até ao próximo encontro.

O telhado ficou baixinho a acariciar-nos as cabeças feito protetor e pai gerador do quente da barriga daquela sala que cresceu para acolher todos e alargou as ancas para fazer até quintal de todo o resto da casa onde corriam os candengues, já vindos dos mais novos da última linha.

Estávamos de novo a partilhar as últimas.

O filho que regressou, a mana que se espalhou, a sobrinha que alcançou.

- Podem mesmo abrir os sorrisos sim, é por graça mesmo, mas vou traduzir;

O filho não aguentou a distância e atirou-se para os braços do incerto na firmeza da coragem que determina a certeza rodeada dos afetos lhe fará superar a dureza da distância.

Isso mesmo!

A mana apanhou piso molhado e levou um susto daqueles que lhe fez esconder o episódio mais de uma semana, que lhe revirou o carro, e lhe fez ver de repente o mundo virado ao contrário, ainda para acrescentar que estava com o bebé e a cena tomava assim proporções de gelar os trópicos.

- Assim resolveu só contar agora, para não preocupar.

A sobrinha alcançou, já tínhamos mesmo brindado, só que agora, com as costuras a já não aguentar o tamanho, do mais novo anunciado, foi de novo motivo de alegria e de renovação de brindes a cada instante de só olhar.

- Eram os momentos do saber da continuidade!

A falta de alguns, justificada pelos motivos que só davam alegrias aos restantes, fazia assim deles igualmente presentes.

O almoço era reconforto, bagre trazido do sul a aquecer a mesa, pipis bem apurados, calulú acanhado um pouco mal sucedido no olhar de que se habitua a vê-lo instalado a nos grandes tachos costumeiros que agora não podiam estar.

O remate estava nos doces de cada especialista que sabe de cor a matéria de que são feitos os gostos de cada um.

O resto era o não caber de alegria e do prazer da comunhão

Sábado de família, desta vez o telhado quente a acariciar as nossas cabeças nestes nossos momentos, certos do calor do legado que preservamos.

 
sabe-me a sal
a onda em cada sulco de pele de alento onde me aquieto

sabe-me a sol
a planície dourada do extenso e morno areal onde me deito

sabe-me a mar
a paz que bebo na tua cama de aconchego
Porque te estranho quando as tuas escolhas
Se sentam na casa grande do amor?

Porque me espanto quando me falas
do colo grande do amor onde cabem destinos
e onde todas as perguntas encontram resposta

Ergo o meu olhar até ao topo do mundo que persegues
Onde queres viver rodeado saciado de afectos
Ventre imenso de amor por onde conduzi os teus passos

E sigo as tuas asas
Encontra-me
No encanto do brilho da pérola da tua lágrima
Onde prendi o meu olhar e me deixei levar
conduzida ao fundo de ti onde te li em todos os teus prantos

Procura-me
Nos cantos de contos de desencanto nota a nota
Onde tons de melodias em goles de anéis efémeros de azul
enleiam a luz dourada do teu prado de esperança

Fica
Dou-te as minhas pérolas

Seca-me a pele de tanto amargo ao meu redor
Doem-me os olhos de tanto quadro de dor
Explode-me o peito de tanta voz em grito sufocado
 
Mas porque se calam os braços e não abraçam mais as ruas?
Porque se tolhem as pernas e não correm pelas lutas?
Ardem-me os olhos a pele a boca a marcha o grito a cor da impotência
Verte-me o pesar do ar que não quero mais respirar
 
Porque se calaram os braços?
Porque falam em surdina todas as pernas da minha rua?
Veste-me o luto que não vou mais querer vestir
 
Quero voltar a ver a luz do cravo rubro
E beber do seu licor em cada madrugada

hoje, amanhã e todos os dias o teu dia

Pai, vê como cresci dentro de mim.
Vê como aprendi que fiquei grande, no enorme espaço cá de dentro
Ao ver ainda em cada passo, em cada enlaço em cada encalço
Como são enormes, todas as pequenas coisas que abraço

Vê pai, como ainda sou tão pequenina
Como ainda me deslumbra e me encanta, cada descoberta
Como acredito em todos os homens, no amor e na esperança
Como me apaixono e me deixo levar atrás de todos os possíveis

Vê pai, como abraço o triunfo de cada madrugada e persigo sol
Até que este desfaleça ao colo do mar da noite que se agigantará até ser dia
Vê como ainda sinto o vento a brincar entre os dedos dos pés
Quando fechos os olhos e balouço até ver crescer as minhas asas

Vê pai como cresci dentro de mim
Como acredito na força que me impele para diante
Aquela imensa e mansa em que me fizeste acreditar
A que aprendi na chama dos teus olhos brandos

Vês pai, podes continuar a descansar na tua nova viagem
Eu já cresci dentro de mim e sou ainda a tua pequenina



primeiros passos num paço de que faço parte numa milonga qualquer, entre o sono e o sonho

na marcação do compasso arrebatado e dolente
no requebro dos passos arrojados e gingados sem aviso
a milonga minha dor




recado

ELA

Corpo de ébano
Olhos de luar
Sorriso de sol
Alma de mar
Amor de nascente
Raciocínio de relâmpago
Protecção de fêmea
Respeito de nobre
Sensibilidade de gazela
Solidariedade de espaço.

Cofre de ébano.
Assim é Ela.

                                                            Fernando Carvalho

                                                                                                           14 Março 2014
soube-me bem
cobrir a pele do teu desejo
sentir o perfume do teu recado ingénuo e solto

soube-me bem vestir o cheiro do teu olhar
com a maciez do tecido do teu manto de palavras
soube-me bem o óleo da tua chama adocicada
com que ungiste o meu corpo por inteiro

soube-me bem o teu amor

O sol cobriu fulguroso o teto do meu mundo
Banhou-o de luz dourada incandescente
No seu som embriagante mais profundo
E firmou o chão do meu abrigo persistente

Esgueirou-se pelas frestas mais estreitas da guarida
galgou o cinzento carrancudo e carregado do tapume
e instalou-se folgazão e sem reservas ou postura comedida
convidando-me sem pudor, a entrar no festim do fátuo lume

Sem guarda, entrei na dança insensata do costume
mergulhei nos volteios da marcha insana e deslumbrante sem queixume,
fiz-me à algazarra enlaçada de pejo e de recato, sem rubor ou azedume,

E deixei-me conduzir nas voltas sucessivas, obedecendo e acatando
o compasso ternário soberbo e marcado, da chama viva de comando,
deste sol vestido a rigor, para festa triunfal,do novo teto do meu mundo
Decora o meu caminho
Vem e faz-te à estrada bem devagarinho
E sem pressa, descobre em cada marca
a denúncia do teu fado em desalinho
E revolve cada pedaço, cada retábulo, do fundo da tua arca.

Resoluto, reinventa de novo a caminhada
Guarda a sorte recebe o dote e inventa um norte
E faz-te ao sul que o sol te espera na jornada
Num chão onde se devolve cada instante, em teu suporte

Então decide o teu
Que faz meu no seu destino
 num céu onde decoras a tela do sonho a que dás vida
Encanta-me,
e veste-me de desejo simplesmente
ilumina ponto a ponto o manto que me cobre
e desperta em mim a vontade de querer-te

Deslumbra-me,
e percorre longa e lentamente
cada curva, cada canto que me encobre
E renova em mim a chama rubra do desejo de viver-te

Encontra-me
Na vontade de perder-me
E despe-me do desejo unicamente

Encontro - do norte para sul olhando o sol

Encontro-te à direita quando olho de frente o nascer da estrela central que me ilumina
Aquela que orbita em torno do centro da faixa brilhante e difusa que circunda o firmamento, onde pertencem praticamente todos os objectos visíveis a olho nu nesta imensa galáxia.
"Meridional ou Austral" outros te chamarão e eu chamo por ti quando me encontro num dos pontos do hemisfério para onde aponta a sombra do sol ao meio dia.
E é daqui que te chamo, é daqui que te procuro e te tenho à mão esquerda, quando me quedo no sítio em que da linha do equador, ao sexto mês,  o da deusa romana, observo de frente o nascer da grande estrela.
No oposto do caminho é onde estou, setentrião, setentrional ou boreal, eis onde me encontro. 
E o que procuro em ti de onde estou, vem-me através de mim onde pertenço.
No teu chão encontro o sol a cama o leito onde me deito
No teu ventre largo e fundo a noite onde adormeço
No teu céu galgo o reflexo da chama e me deleito
Pele do húmus quente e forte no vigor do recomeço

E num sonho te percorro em trajecto de memórias
Onde há vida e fúria e grito puro rio encantamento
Estradas ruas luas tempos rasgos, largos campos de vitórias
Seiva força alma sangue sombra alento chamamento

Ode névoa brilho espanto, brando acorde que me deste
Lira mira norte sul, e estranho encanto, doce manto que me veste

no regresso

Quando cheguei engoli-te inteira e grávida de ti me vi

Então te pari estrada minha, de esperança concebida
no corredor estreito e escuro da sucessão dos dias e das noites 
agora viva, tida inteira e verdadeira

Desfolhei-te nua clara negra cheia mansa  lisa 
lua noite brilho encanto e doce apelo
desflorando, cavalgando a madrugada

Percorri-te à luz dourada dos caminhos flamejantes 
mergulhei-te na volúpia em quadros quentes vibrantes
amei-te no fulgor de nova vida prenhe e fresca a serpentear
Assim me vi colada às veias e nervuras do teu corpo
no curso do teu sangue pulsante a marcar o ritmo incessante e quase insano
sincopado sinuoso e gingado que te saltava em gargalhadas incontidas do teu peito
Senti-te ao toque ao tímido desejo no arrepio e conchego 
no som inebriante em travos longos e vorazes de delírio e de desejo
no repouso adocicado da chama purpúrea do teu colo 

Inalei em golfadas todo o ouro que exalavas ao meu redor aos borbotões.
E na geometria desconcertante  das tuas linhas finas e rudes
bebi o cheiro o mel, unguento, transbordante o alimento da minha alma sedenta 
na assimetria das paredes do teu corpo, o ardor, o calor picante, o gozo o mosto, o gosto                                    
fez guião a estrela o horizonte, trave, tábua, o pão repasto da minha carne faminta

Assim apaziguada te desenhei em novo mapa
Esculpi-te no sabor que deslizava num saber sussurrante
que aumentava o ritmo, galgava as margens erguia as velas e tomava o leito
marcava a cadência incessante  de uma dança iniciática
no clarão da explosão de êxtase e plenitude

E pintei de novo as ruas, tuas formas de passados em novos presentes
moldei-te nos contornos do futuro certo no errante do balanço
onde te achei no recente rítmico ziguezaguear de costuras renovadas
Quis voltar e tomar-te de novo estrada minha