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Um dia vou pintar-te de prata num manto de cristais
Escurecer os contornos mergulhando o pincel no pote cheio de noite
E os meus olhos montarão o filme numa pele de três camadas
e no leito caldo mar serei a luz que te trará à vida
e verás o dia
Um dia vou parir a tua imagem para colar-te nos meus dias
E verei o dia

terra minha


Na esperança de te ter descolei o corpo inerte
Que se retirava num pedaço de pele do velho sobrado
Quando no ardor da ânsia de te possuir
Os rasgos de sol te comiam com o seu fogo o teu orvalho

Na esperança de te ter segui o seu falo
a penetrar fundo na fenda fina da húmida muralha
que estreitava o teu continente com ambas as pernas
E vi-o extasiar-se enfim no manto rubro
Que vestia a grande casa do caudal dos longos dias 

E eu esperava

E na esperança de te ter
Madruguei para erguer num insano torpor
a esteira da auréola do futuro em ti, nas matizes dos meus dias
E fi-la assim, casa minha, arca do meu sonho, relicário, quente afago,
Na esperança de te ver,
E esperar o doce húmus, cálice, taça, cadinho meu,
num telúrico desejo de vingar a sede, da senda da noite da espera

E abraçar-te terra minha

hoje um presente do sul que partilho


Soltou-se o brilho das estrelas do olhar
Agarrado ao cheiro que te saía das mãos
Trouxeste-me  a terra em forma de fruto
Saudade amarrada à distância dum tempo
Que trago no peito em forma de concha
amaciado num cuidado de doces lembranças

Aqui me encontro deleitada
Quase em estado de contemplação
Sustenho-me no tempo e me conforto
Entre o odor forte e adocicado feito peito redondo e duro
E a maciez do interior, ventre d’alma generosa
Espessas  águas, caldo morno,
Vísceras de agridoce sabor que me agarra ao rubro quente
Do meu fado, vida, espaço, colo, útero de mim feito

Vinha abraçado aos irmãos um já despido do corpo
Que exaltava o característico dum mais comum feito diferente
E outro ainda dentro do casulo, a adivinhar o festim doce acre
De rebentar os lábios num torpor dolente de adoçar o coração

Ambos relicários do tempo,  assim mos trouxeste
E estendeste-me a rede do tempo que me torna 
inteira