o brilho dos meus olhos

porque te agarras à minha mão,
abraças o meu pescoço
com palmo e meio de braços
e agarras o mundo de cima protegido
pelas águas calmas da bacia do meu colo,
me faço fonte, terra, abrigo, fogo e sombra.
por ti meu pequenino me agiganto cada dia,
descubro as tuas descobertas
me encanto com os teus encantos
fantasio as tuas fantasias
e até me apanho a cantar sozinha,
a dançar ao compasso dum semba de memória
que viaja a toda a hora comigo
me faz rir à toa
e me pinta aquele brilho nos olhos

obrigada mãe

obrigada mãe por aqueceres o meu ninho

ajudares a trazer de volta o balanço quente de dias vibrantes
mesmo com chuvas cinza de vento pintados
pulamos o fusco e pousamos leve na cor de fatos brilhantes
com gozo de tempos de novo inventados

é assim mãe quando aqueces o meu ninho

páginas em branco

Escrevo páginas brancas, tantas, de dores e vitórias
Inscrevo recados tratados e formas de tudo mais
Procuro o sabor e a lembrança de todas as histórias
E guardo segredos, temperos e cheiros de gozo e de ais

E o espaço liso como de ventre sem vida estivesse
De espaços em branco vestido para quem olha
Esconde um colo repleto e prenhe como se quisesse
Invadir de surpresa o palco zombando sem escolha

Não se ruborizem faces
Não se incendeiem vestes
Não se inflamem hinos
Não se envergonhem fraques
Não se dobrem sinos
Não se curvem craques

Quando ao acender a vela o ácido citrino atear a vida
E os cadernos brancos inchados de verbo
Falarem de toda a comenda guardada e mantida
No claustro dourado de sonho de um servo

Em páginas brancas repletas de soro acidolante
Ante a chama ardente da fonte de luz ondulante

Meu primogénito, neste teu dia

Não, não é do careca dourado de que te vou falar
Dos trinta e cinco centímetros e quase quatro quilos de estanho
Vestido em ouro de catorze quilates pelo prestígio da sétima arte

Não, não é do cavaleiro brilhante que todos veneram
De espada de cruzado atravessada verticalmente no peito
Assente num pedestal à sua medida feito rolo de filme.

A Academia me perdoe, o colégio me absolva,
A cerimónia de muitos milhões na assistência me dispense.

Preferia antes lembrar a origem, como soa no velho inglês… OSker.
À lança dos deuses que faz jus ao teu desempenho na frente da vida
No do gaélico que te chama o amigo do veado
De Napoleão que te levou ao trono dos reinos do norte como Oskar I

Mas porque nem com Wilde ou La Renta,
Reconhecimentos à excelência,
Mitologias ou simbolismos de quem frequenta
Cerimónias de tanta eloquência,
Me contento,

Direi apenas,
Meu primogénito, neste teu dia,

Brilha como sempre o sabes fazer
Assenta bem os pés no rolo seguro do que quiseres escolher da sétima arte da vida
Empunha a lança dos deuses que faz jus ao teu desempenho na frente da tua vida
Esbanja a tua generosidade como do gaélico te dita
E acredita
Sê simplesmente
O meu filho Óscar

Namibiano ferreira. Porque me apetecem poemas encantados

ÓLUSAPÒ WA SEKULU LUÍJI



O Sekulu Luíji contava estórias
e no forno de barro assava leitões
para ganhar alguns magros tostões
era o melhor assador das redondezas.

As estórias do Sekulu Luíji
eram poemas encantados
que nenhum poeta consagrado
haverá algum dia de escrever.

O Sekulu Luíji contava estórias
e no forno de barro assava leitões
para ganhar alguns magros tostões.
As suas estórias eram encantos
que nem todos sabiam escutar...
era o melhor contador de estórias
das redondezas: – Ólusapò wá...
ólusapò wá kandimba kwénda hósi...

Um dia o Sekulu Luíji desapareceu.
O Sol e a Lua somaram os dias...
e o Sekulu Luíji não mais voltou
(nunca mais haveria de voltar).
E as estórias só desapareceram
contadas na boca do Sekulu Luíji.
As estórias, o cerne e alma delas,
ficaram retidas, porém, na ventania,
voz oral do vento que nem muloje
consegue fazer calar no feitiço.

– Xé mano, sente só, Sekulu Luíji
desapareceu. Foi karkamano
foi karkamano que pegou
foi karkamano que matou
Sekulu Luíji – aiuê, aiuê, Suku yanguê!
Murmurava o povo no cicio da brisa medrosa.

O Sekulu Luíji nunca mais voltou
nunca, nunca mais... nunca mesmo.

Mas à noite, nos meus sonhos,
quando volto de novo a ser candengue,
Sekulu Luíji vem contar-me estórias
e ri muito, um riso muito cheio de vida,
um riso a fazer bailar o ouro das estrelas
como no tempo em que me ensinava,
na mangonha das tardes, a xingar em umbundu
sob o olhar reprovador e muxoxo censura
dos kotas e outros sekulus sisudos.

E nos meus sonhos, quando ele ri muito,
muito de fazer bailar o ouro das estrelas,
a sua boca solta-se no algodão todo sorriso de marfim.
Ele é um anjo negro na plumagem alada do brilho
a reluzir, a brilhar uma luz tão intensa e tão forte
que a noite do sono se transforma num dia de sol.

As estórias que ele me conta nos meus sonhos
transformo-as eu, depois, em versos e poemas acontecidos
no cetim onírico da poesia que timidamente faço acontecer.
Mas são pobres os poemas acontecidos perante as cores
e missangas, riquezas e silêncios, gestos e momentos
que o meu mestre tão sabiamente sabe criar e contar
na boca sem escrita das bikuatas do verbo e do vento...
........................................................................................

Olusapo lwápwá (a estória terminou)

Namibiano Ferreira

Glossário:


Aiuê, aiuê, Suku yanguê! – Ai, ai, meu Deus! Em umbundu.
Bikuatas – Carga, pertences, haveres, bagagens. O mesmo que imbambas.
Candengue (kandengue) – Criança, criancinha.
Karkamano – Nome pejorativo que se dá, em Angola, aos Sul Africanos brancos.
Kotas – São os mais-velhos, homens respeitados.
Mangonha – Preguiça.
Muloje – Feiticeiro.
Muxoxo – Barulho característico que se faz, fazendo passar o ar entre a língua e os dentes, verbo muxoxar. O muxoxo tem uma conotação de sensura, reprovação ou desdém.
Ólusapò wá... – Esta é a estória... (umbundu).

Ólusapò wá kandimba kwénda hósi... –Esta é a estória da lebre e do leão... (umbundu)

Sekulu – Ancião. Deve ler-se com “e” aberto recaindo a sílaba tónica na segunda sílaba, (sekúlu).

Como a maré

Trato, traço, meço, laço e finco pé
Entendo, escuto, abrando e ouço até
Venço, cresço, marco, abraço, fico de olho
Recupero, espero, avanço, desfaço e escolho


E fico
Como a maré

E apago a mágoa a dor a sombra que já não é
Aguardo adio recuo faço marcha a ré
Embalo o sonho, repouso, respiro de novo e acolho
A glória a chama a luz a paz a espuma eu colho

E fito
Como a maré

Enfrento a fúria, a fera e não calo o grito
Acendo o lume, guio eu os passos e não evito
Entorno o copo, apago a luz e volto a pé
Escalpo a dor, enfrento a noite e solto a fé

Acento, avanço e danço, decido meu caminho
Desenho a curva e canto, faço o meu destino

E dito
Como a maré

Aos meus filhos

E as minhas pernas ergueram-se na noite negra reflectidas no espelho da lua
E os meus braços feitos ramos abraçaram a terra rubra e quente de mim
Os meus cabelos feitos folhas emaranhados em raízes de luar
Colheram então todas as águas de rios regatos e salgado mar
E arranquei-vos do ventre vitoriosa na batalha da vida

E o meu corpo fez-se ponte onde pudestes atravessar mundos imaginários
De contos e fantasias de dias e noites de nunca acabar
Povoados de historias de demónios e fantasmas, gigantes, príncipes e princesas
Chucucumas, tchiquissiquissis, cágados sábios e coelhos candimbas
Misturados com cigarras e formigas capuchinhos vermelhos
naus Catrinetas, Reis Herodes, carochinhas e casinhas de chocolate

E aqui se puderam banhar na cascata dos meus olhos em torrentes de emoções
Pudestes refrescar-vos na sombra do meu peito e sossegar no ninho do meu colo
E as vossas pernas ergueram-se e multiplicaste-vos
E vistes a terra vermelha e olhastes o mundo pequenino lá de cima

Assim se fez dia e então adormeci

Num qualquer dia o teu dia minha mãe

Num qualquer dia o teu dia minha mãe
Bordado ao de leve com fios da prata dos teus cabelos
em cambraia de pele em dobras finas de rosto colado ao meu
ainda te tenho e guardo-te envolta na luz que me dá vida
te guardo quando me resguardas no ninho de colo que ainda é meu
assim me acolhes no doce profundo e calmo de olhar
Num qualquer dia do teu dia minha mãe