e assim te acompanho


E assim te acompanho

No desenho de contornos num volteio
Onde mansamente me embalo e trauteio
Num teu espaço de teu canto sou provida
do som que buscas na  busca da vida
que  recriaste e compuseste sem temor

Aqui onde já não habita a dor
Se faz canto o desencanto meu amor,
terno, amargo, doce fado, amor meu,
E assim te fizeste Orfeu

No encanto da vida agora enfim
Fias versos, arranjos, notas, e redondilhas
Que enovelas mansamente e que dedilhas
Em odes de recortes, novas trovas, 
Que cantas pra viver em quadras soltas
Na roca feita lira que inventaste para mim

E assim te acompanho

no teu mar


Ouço-te no teu mar
Numa leda canção de outros tempos de amar
E escuto-te no refrão de memórias fortes
Do travo amargo do sal que queres apagar
E quedo-me no (re)verso do sabor do tom que lhes queres dar

Assim te escuto enleada e rendida
Na doce toada do tecido macio das ondas reflectida
Com novos reflexos fiados de um ouro renascido
Neste mar sempre mistério, leito, chão desconhecido
Que tão sabiamente conseguiste reinventar

E assim me achei colada ao ventre do teu mar
Quando decidiste fiar de novo e teimosamente
a rede da tua força de acreditar onde estarei  aqui e sempre
Certa inteira e segura na firmeza de te acompanhar

Com Joaquim Pessoa

Dia 162.

Estou sempre à espera do inesperado. Assim, a dor não dói. Mesmo quando dou a mão a alguém e esse alguém a morde. Faço tudo para ser melhor que eu, ter uma vida intensa mesmo a dormir, separar o bom do bom e, com a parte que escolho, fazer melhor. Tudo é interessante, mesmo o que não é interessante, e o interesse está na descoberta. Temos que nos inadaptar à vida, vamos a isso, tentar cumprir as expectativas, mas não aquelas que esperávamos. Eu gosto disso. e isso conta. Meio irmão contra mim, mau irmão de mim, não consigo emendar um dia entre Janeiro e Dezembro. E ainda bem.
Esta coisa de ser mortal, de ser falível, é a minha afirmação e a minha doença. o que resta, são paliativos e a sua busca. Não sei mudar-me, não me quero mudar. Entre proscritos e idiotas, um proscrito. Odeio a subtileza dos idiotas. Falo sempre para mim quando falo com os outros. E dos outros não falo. Faço de conta. Para comermos todos juntos. Como iguais.

Joaquim Pessoa
Ano Comum

sigo-te

Não poderei fazer o teu caminho
Observo-te apenas e asseguro-me da tua destreza
Prendo por vezes o escuro da terra dos meus olhos, que me irradia o rosto
e aponto-o  na tua direcção a cada sinal de desiquilíbrio
tentando apenas iluminar o espaço, desviar os escolhos, minorar a dor

não procuro caminhar sobre as tuas marcas
apenas mostrar-te o meu cajado que me ampara a já longa caminhada

Boa tarde meu amor, segue as estrelas e conserva-as para os que te seguirão
pois eles aprenderão a eternidade

madrugar

Vou madrugar
E calçar as nuvens macias que aconchegam o céu
Caminhar em silêncio no caminho das palavras
Bordadas em fios finos de luz nos desenhos do destino que tracei
No cântico morno que me adorna o corpo

Vou madrugar
E beber de novo a brisa
Apoiar os cotovelos no beiral dos sonhos
Afagar o sufoco
Alimentar o torpor do corpo, mimar a alma
Resgatar o meu império, meu alimento, a poesia
Nascer de novo com o dia

Vou madrugar e parir um novo dia

sinto o sabor do teu mar a ferver-me nas veias


Sinto o sabor do teu mar a ferver nas veias do labirinto do meu corpo

Sinto o fervor do teu mar no impulso do desejo de te ter

Sinto a acalmia do teu mar no doce toque do s(t)eu (en)canto

Feita voz, cântico, balada, liturgia, encanto que me enternece

Envolve, embala, devora, encanta, sossega e entorpece

Sinto a brandura do teu ser num vulcão que me desassossega

E entrega a uma orgia de veludos de corpos e licores de seiva

Com odores de espanto e paz que me deleita

Sinto, sinto o sabor do teu mar a ferver-me nas veias