Encontra-me
No encanto do brilho da pérola da tua lágrima
Onde prendi o meu olhar e me deixei levar
conduzida ao fundo de ti onde te li em todos os teus prantos

Procura-me
Nos cantos de contos de desencanto nota a nota
Onde tons de melodias em goles de anéis efémeros de azul
enleiam a luz dourada do teu prado de esperança

Fica
Dou-te as minhas pérolas

Seca-me a pele de tanto amargo ao meu redor
Doem-me os olhos de tanto quadro de dor
Explode-me o peito de tanta voz em grito sufocado
 
Mas porque se calam os braços e não abraçam mais as ruas?
Porque se tolhem as pernas e não correm pelas lutas?
Ardem-me os olhos a pele a boca a marcha o grito a cor da impotência
Verte-me o pesar do ar que não quero mais respirar
 
Porque se calaram os braços?
Porque falam em surdina todas as pernas da minha rua?
Veste-me o luto que não vou mais querer vestir
 
Quero voltar a ver a luz do cravo rubro
E beber do seu licor em cada madrugada

hoje, amanhã e todos os dias o teu dia

Pai, vê como cresci dentro de mim.
Vê como aprendi que fiquei grande, no enorme espaço cá de dentro
Ao ver ainda em cada passo, em cada enlaço em cada encalço
Como são enormes, todas as pequenas coisas que abraço

Vê pai, como ainda sou tão pequenina
Como ainda me deslumbra e me encanta, cada descoberta
Como acredito em todos os homens, no amor e na esperança
Como me apaixono e me deixo levar atrás de todos os possíveis

Vê pai, como abraço o triunfo de cada madrugada e persigo sol
Até que este desfaleça ao colo do mar da noite que se agigantará até ser dia
Vê como ainda sinto o vento a brincar entre os dedos dos pés
Quando fechos os olhos e balouço até ver crescer as minhas asas

Vê pai como cresci dentro de mim
Como acredito na força que me impele para diante
Aquela imensa e mansa em que me fizeste acreditar
A que aprendi na chama dos teus olhos brandos

Vês pai, podes continuar a descansar na tua nova viagem
Eu já cresci dentro de mim e sou ainda a tua pequenina



primeiros passos num paço de que faço parte numa milonga qualquer, entre o sono e o sonho

na marcação do compasso arrebatado e dolente
no requebro dos passos arrojados e gingados sem aviso
a milonga minha dor




recado

ELA

Corpo de ébano
Olhos de luar
Sorriso de sol
Alma de mar
Amor de nascente
Raciocínio de relâmpago
Protecção de fêmea
Respeito de nobre
Sensibilidade de gazela
Solidariedade de espaço.

Cofre de ébano.
Assim é Ela.

                                                            Fernando Carvalho

                                                                                                           14 Março 2014
soube-me bem
cobrir a pele do teu desejo
sentir o perfume do teu recado ingénuo e solto

soube-me bem vestir o cheiro do teu olhar
com a maciez do tecido do teu manto de palavras
soube-me bem o óleo da tua chama adocicada
com que ungiste o meu corpo por inteiro

soube-me bem o teu amor

O sol cobriu fulguroso o teto do meu mundo
Banhou-o de luz dourada incandescente
No seu som embriagante mais profundo
E firmou o chão do meu abrigo persistente

Esgueirou-se pelas frestas mais estreitas da guarida
galgou o cinzento carrancudo e carregado do tapume
e instalou-se folgazão e sem reservas ou postura comedida
convidando-me sem pudor, a entrar no festim do fátuo lume

Sem guarda, entrei na dança insensata do costume
mergulhei nos volteios da marcha insana e deslumbrante sem queixume,
fiz-me à algazarra enlaçada de pejo e de recato, sem rubor ou azedume,

E deixei-me conduzir nas voltas sucessivas, obedecendo e acatando
o compasso ternário soberbo e marcado, da chama viva de comando,
deste sol vestido a rigor, para festa triunfal,do novo teto do meu mundo
Decora o meu caminho
Vem e faz-te à estrada bem devagarinho
E sem pressa, descobre em cada marca
a denúncia do teu fado em desalinho
E revolve cada pedaço, cada retábulo, do fundo da tua arca.

Resoluto, reinventa de novo a caminhada
Guarda a sorte recebe o dote e inventa um norte
E faz-te ao sul que o sol te espera na jornada
Num chão onde se devolve cada instante, em teu suporte

Então decide o teu
Que faz meu no seu destino
 num céu onde decoras a tela do sonho a que dás vida
Encanta-me,
e veste-me de desejo simplesmente
ilumina ponto a ponto o manto que me cobre
e desperta em mim a vontade de querer-te

Deslumbra-me,
e percorre longa e lentamente
cada curva, cada canto que me encobre
E renova em mim a chama rubra do desejo de viver-te

Encontra-me
Na vontade de perder-me
E despe-me do desejo unicamente