a execução

apanheia-a sem querer quando o jovem ao meu lado recordava o bairro onde nasceu.
era naquela rua. não conheceu? na primeira entrada...
eu acenava com a cabeça e tentava localizar. eu ouvia-o mas na minha cabeça a confusão da sucessão de imagens demolidoras empapavam-me o cérebro.
de repente deixei de o ouvir e apanhei-me a falar como se o estivesse a descrever o capítulo do romance que me acompanhava viagem acima dos dias.
eu tinha parado na imagem avassaladora da execução.
foi assim que a descrevi. estás a ver? quando mandam as pessoas ajoelhar e dão a ordem? e assim que o vejo, dizia eu sem deixar que me interrompesse. e ele... olha como ele olha o vazio, como se mais nada lhe importassse... ele está pronto. está anestesiado. ele perdeu tudo o que tinha... disparei eu de um fôlego.
o jovem ficou em silêncio. pedi-lhe que me mandasse a imagem ao que anuiu acenando apenas com a cabeça e sem me olhar nos olhos...
no dia seguinte o fundo do ecran que o acompanha já não mostrava a sua antiga nova york iluminada de sonho. tinha sido substituída por esta... afinal ele naquele dia de novembro, tinha assistido com olhos ainda de criança... à execução.




"Era cedo, de manhã. Mas no bairro já havia pouca gente. Uns foram expulsos noutras fases das demolições, outros já tinham ido trabalhar (nas limpezas, nas obras...). Estava lá a polícia e alguns jovens de esquerda reclamavam direitos. Os poucos moradores que se atreveram a ver as suas casas cair estavam sentados em cima dos telhados, calados. Como se calam aqueles que sabem que já está tudo perdido. Mas, mesmo assim, queriam evitar o inevitável - a demolição das barracas ilegais a que eles tinham dado um outro nome: lar. Esta foi a minha primeira capa no jornal Público. Desde então vieram outras capas e outras demolições. Mas nunca hei-de esquecer o sinal de pesar, paz e resignação do homem sentado na cadeira.
ENRIC VIVES-RUBIO"

Sem comentários: